O modo de fumar resumia todo o seu jeito cínico, ainda mais quando erguia a cabeça para soltar o ar. Marlboro entre os dedos, os braços e pernas irriquietos em movimentos que chamavam a atenção, eriçavam. Você sempre atrevido, impaciente, e o prazer do vício exalando com aquela fumaça, impregnando-se de outra forma em mim.
Eu observava cabisbaixa cada detalhe, disfarçando compulsoriamente. Enquanto olhava, me convertia no próprio ar quente que você tragava, entrava e saía do seu corpo, sujeita ao ritmo determinado pela sua vontade de sentir o gosto amargo do tabaco.
Não escondia a impaciência se você demorasse a puxar o fumo, me detia em sua boca até que a brasa luzisse e me fixava em sua expressão, presumindo a intensidade daquela golfada. Depois disso, eu já sabia se me demorava dentro de ti ou me esvaía em instantes - a fumaça solta de uma só vez para que você falasse algo. Me faltava o ar.
Eu dissimulava, mas não podia conter sorrisos. Se notasse algum detalhe novo, esperava com entusiasmo a repetição do gesto e o incluía em minha coleção, inútil como qualquer outra. Fixava cenas (a careta estranha que você fazia para soltar um restinho de ar que de vez em quando sobrava) e com elas alimentava meus pensamentos confusos, risíveis, esperançosos de você.
Tanto agito em torno do nada. Era só mais uma bituca acesa lançada ao chão. Logo a vontade chegava, você saberia como cuidar dela. Inspiros, sussuros, suspiros.
Cheguei até a perseguir os fumantes na rua, nos bares, no ponto de ônibus. Apurava o faro, respirava fundo e agradecia, em minha passividade, sua aparição.
Quando rasguei o plástico da caixa de cigarros, peguei um deles a esmo e acendi. Eu fumava com pressa, não dava nem o habitual intervalo entre as tragadas. Mesmo com a nicotina, a ansiedade não diminuía; meu batimento disparava.
Sua imagem evocada, um sabor ruim na boca, aquela a única forma de te ter? De qualquer jeito você não vinha, e me restava ficar ali, alimentando vícios.
Agora, o cheiro me dava enjôo e certo arrependimento. Mesmo tentando evitar, o fluido tinha tomado conta de cada pedaço de mim: pele, boca, mãos e cabelos. Talvez você não adivinhasse meus desejos, mas eu quis tanto, como aquela fumaça, que meu corpo sumisse no ar.
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(cachorro:- rubrica: armamento, termo de marinha - boca-de-fogo que se monta na última portinhola de vante dos navios, com artilharia disposta em bateria)
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"Amar es eso, dos corazones latiendo al compás de uno
Tanto fumar y tanto reir
y tanto mirar tu boca
¡Como quisiera ser aire, del aire que te toca!"
Jorge Drexler, Uno.