
Há ocasiões em que palavras já conhecidas começam a fazer parte da nossa vida. Por exemplo: namorado. Não que eu nunca tivesse usado esse verbete antes, mas o pronome possessivo "meu" faz toda a diferença em seu sentido. Antes, era "namorado de" ou mera acepção à condição de alguém, usado em textos ou para designar um indivíduo.
Mas quando a palavra se refere à você, tudo muda. Para começar, duvido alguém dizer essa expressão no início do namoro sem esboçar ao menos um sorriso. É estranho, quando não se tem o costume, se ouvir dizendo "meu namorado", porque não é apenas a enunciação que é nova em nosso vocabulário, mas toda a situação que ela implica.
E daí, quando você diz "namorado" e se refere ao seu parceiro, a simples pronúncia suscita uma série de lembranças e sensações, como o primeiro beijo de vocês, aqueles arrepios que não são de febre e começam na barriga e um calorzinho no peito, lá de onde bate a percussão da vida.
Então, chega a hora de apresentar a pessoa aos amigos. Você enche a boca e diz: "Meu namorado". Para conhecidos, que você cruza na rua, faz questão de frisar: "meu namorado". Em outros momentos, o silêncio diz mais, como na hora de apresentar o pretendente aos pais, quando tudo aquilo é óbvio e um hora teria que acontecer - "é claro, ele é seu namorado", ecoam em silêncio.
A velha-nova expressão paira ao ser pronunciada. Se é escrita, solidifica. A letra recupera o seu poder. Por alguns instantes, sentimos o sabor da palavra em sua materialização plena e, nesse caso, o gostinho faz lembrar um beijo.